Sem Título

Pedro Bello
2 min readJul 19, 2021

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Sou um homem pacato. Quem melhor me definiu foi o Guilherme Boulos, em sua campanha presidencial de 2018, quando disse:

— O brasileiro perdeu a sua capacidade de se indignar.

Não sei se a afirmação vale para o brasileiro em geral, acho que o Guilherme Boulos não acompanha o Twitter. Porém, no que me diz respeito, a frase é perfeita: há muito tempo que nada me causa revolta.

Outro dia, inspirado por acontecimentos nacionais, tentei forçar a barra. Chamei Maíra e disse:

— É hoje que eu me invoco!

Mas Olívia começou a chorar e eu tive que levá-la para a rede. Balanço vai, balanço vem…

Adormeci.

Naquele dia, faltou pouco, mas quando acordei já estava mais calmo. Foi quando tive certeza que o ex-candidato à presidência da república tinha razão: eu havia perdido a capacidade de me indignar.

Mas o que digo? Eu não acredito em nada do que estou dizendo, porque eis a verdade: basta que na próxima passeata me dêem um microfone e me chamem para cima do caminhão. Tragam a multidão para me ouvir e eu bradarei o meu grito de revolução. Somente como líder dos revoltados é que poderei ter uma revolta genuína. Dêem-me um palanque e despertará em mim o jacobino adormecido.

Porém, meu pensamento segue adiante e prevê um novo obstáculo: uma vez que minha liderança esteja consolidada, não terei que lidar apenas com a oposição externa ao movimento, mas também surgirá uma oposição interna. Sim, os invejosos desejarão tomar o meu lugar…

Meu pensamento segue um pouco mais adiante e prevê algo ainda pior: a traição dos bajuladores! Sim, aqueles que diziam me amar, no momento em que eu não mais os servir, me atirarão pedras e me entregarão aos cachorros…

Tudo isso é inevitável.

Permaneço, então, quieto no meu canto. Como tantos outros, eu também sonhei revoluções e contra-revoluções, mas em todos os sonhos eu acabei derrotado. E não é a derrota futura que me faz vacilar. Que me importa se eu for derrotado? O que realmente aborrece é a luta.

Hora de dormir.

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